“Reforma
Voluptuária”
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Por: Regis Machado*
Em: 26/08/2017
Como é de conhecimento geral, a política brasileira quase não possui
mais legitimidade entre a população e, a passos largos, vem perdendo cada vez
mais o pouco que ainda lhe restava. Em pesquisa recente, apenas 3% dos
entrevistados disseram confiar muito na Presidência da República ou no
Congresso. Os partidos políticos têm credibilidade ainda menor, quase nula, de
apenas 2%. Esses índices, lamentáveis sob qualquer ângulo que se queira analisar,
são ainda piores do que a aprovação do atual presidente, que, em 7%, já atingiu
seu menor valor em 28 anos [1].
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Tamanho descrédito é consequência imediata do distanciamento existente entre
o que esperamos dos nossos governantes e parlamentares e a prática política que
vemos no mundo real, recheada de relações promíscuas com empresários e polpudos
mensalões e mensalinhos, nas diferentes esferas de governo [2]. Mandatários cuja
única preocupação é se reelegerem para assegurarem suas “boquinhas” e benesses,
mantidas às custas de uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo, enquanto
o país enfrenta a maior crise econômica de sua história e a população recebe em
troca serviços públicos de péssima qualidade, escolas e hospitais sucateados e
insegurança pior do que em zonas de guerra [3].
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Mas, não se desespere. Como anunciava uma empresa fictícia em saudoso
programa humorístico: “Seus problemas acabaram”. Os políticos, preocupados com o
bem-estar da população e desejosos de honrarem seus mandatos (#sqn), estão
bolando no Congresso, neste exato momento, um plano infalível para a crise. Extraído
da cabeça de algum marketeiro, tal plano certamente teria um nome bem pomposo.
Algo como “Reforma Voluptuária”. E teria tudo para dar certo. Para os
políticos, claro.
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Pelo Código Civil Brasileiro, benfeitorias voluptuárias são aquelas “de
mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o
tornem mais agradável ou sejam de elevado valor” (Lei 10.406/2002, art. 96, §
1º). Ou seja, são intervenções meramente estéticas, que apenas contribuem para
embelezar o bem, não sendo necessárias e, tampouco, nada lhe acrescentando em
termos de funcionalidade ou utilidade. No jargão popular, é o famoso “retocar a
maquiagem”, expediente do qual, ironicamente, não deve precisar muito a bela deputada
Shéridan Anchieta (PSDB-RR), autora do parecer recém aprovado na Câmara dos
Deputados, o qual prevê o fim das coligações e a implantação gradual de uma
cláusula de barreira para os partidos, já a partir das próximas eleições [4].
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A cláusula de desempenho, cujo percentual aumentaria gradativamente, de
1,5% dos votos nas eleições de 2018 a 2,5% em 2026, seria até benéfica, por
colocar necessário freio na multiplicação desenfreada de legendas (já devem ser
37 no ano que vem, com outras 61 em processo de formação). Infelizmente, isso
não ataca a causa raiz do problema, que é a destinação anual de bilhões de
reais para os dirigentes partidários promoverem verdadeiras farras com dinheiro
público, quase sem fiscalização por parte do TSE [5]. Igualmente inócua, no
referido parecer, é a proposta de acabar com as coligações, pois apenas as
troca por figuras chamadas “federações” e “subfederações”, as quais, na
prática, irão funcionar exatamente da mesma forma. Ou seja, é uma reforma, como
se costuma dizer, pra inglês ver.
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Em suma, a brilhante ideia por trás do plano que os congressistas querem
aprovar com urgência, para já valer nas próximas eleições, é apenas dar a
impressão de que algo mudou, quando, na verdade, tudo continuará exatamente
igual, como sempre foi. Talvez saiamos até no lucro, considerando que a
intenção inicial de suas excelências, ainda não descartada pela ala dos sem
juízo, envolvia promover uma verdadeira contrarreforma, aprovando, na contramão
dos anseios populares, totais absurdos como o voto em lista fechada, o famigerado
“distritão” e o imoral “fundão” de R$ 3,6 bilhões, um assalto extra aos cofres
públicos, um esbulho prévio perpetrado nos cidadãos pelos mesmos indivíduos que
irão lhes roubar, também, após as eleições.
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Portanto, eleitor, não se deixe enganar por essas reformas de mentirinha,
que pretendem apenas trocar seis por meia dúzia. Já era sabido que o atual
Congresso, cuja maioria de seus membros têm pendências na Justiça e estão atolados
até o pescoço na Operação Lava Jato [6], jamais mexeria nas regras do jogo em
prol do Brasil, mas, sim, de si mesmo. Uma reforma séria do sistema político-partidário-eleitoral
nunca será pautada pelos seus próprios jogadores. A remodelagem do tabuleiro terá
que ser imposta pela sociedade, a duras penas, após intensa mobilização.
Enquanto isso, o que dá pra fazer, e deve ser feito, a começar pelas eleições
de 2018, é trocar o máximo possível as peças. Essa, sim, uma reforma indiscutivelmente
necessária. E que depende apenas de cada um de nós.
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*Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)
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[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/06/1895770-forcas-armadas-lideram-confianca-da-populacao-congresso-tem-descredito.shtml
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[2] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/janot-denuncia-sarney-renan-juca-garibaldi-e-raupp,
http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/deputados-de-mt-recebiam-mensalinho-de-r-150-mil-para-nao-denunciar-desvios-do-governo-diz-silval.ghtml
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[3] http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/brasil-e-responsavel-por-10-dos-homicidios-do-mundo-sendo-que-jovens-e-negros-foram-maiores-vitimas
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[4] http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/08/23/comissao-da-reforma-politica-aprova-texto-base-que-acaba-com-coligacoes.htm
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[5] http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/04/10/interna_politica,861062/partidos-apelam-a-dinheiro-publico-para-pagar-multas.shtml
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[6] http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2016/04/cerca-60-dos-deputados-federais-que-julgaram-dilma-tem-pendencias-na,
https://aosfatos.org/noticias/quase-metade-dos-deputados-que-prometem-rejeitar-denuncia-contra-temer-tem-pendencias-na-lava-jato
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