Por GISELA WAJSKOP*
O alarme soou para a educação
brasileira.
Os resultados divulgados pelo `Atlas
do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013´ revelam que, apesar de ter havido um
aumento em 47,5% dos IDHs dos municípios nas duas últimas décadas, estes sofrem
impacto dos dados educacionais. A baixa qualidade de ensino em nossas escolas
levou os números para baixo.
Outro dado considerável divulgado
recentemente aponta que nosso país ficou em penúltimo lugar em um ranking
global de educação que comparou 40 países levando em conta notas de testes e
qualidade de professores, dentre outros fatores. Em primeiro lugar está a
Finlândia, seguida da Coreia do Sul e de Hong Kong. Ao lado do Brasil, mais
seis nações foram incluídas na lista dos piores sistemas de educação do mundo:
Turquia, Argentina, Colômbia, Tailândia, México e Indonésia, país do sudeste
asiático que figura na última posição.
Varias hipóteses têm sido levantadas
sobre a situação, mas há unanimidade nacional em considerar que sem bons
professores o país não mudará esse quadro. Mas o que faz o professor ser bom?
Qual sua função social? Afinal, o que e como ele ensina na sala de aula? Qual a
formação ideal para uma docência de qualidade?
Essas questões parecem óbvias, mas
são ainda pouco claras no seio da sociedade civil. Ainda se faz muita confusão
entre a figura acadêmica do professor e as ações correlatas que este cumpre
associadas à assistência e ao controle social. Com tanta função, não há quem se
interesse por ser professor. Agregam-se, ainda, os baixos salários, currículos
de formação inicial distantes da realidade escolar, formação em cursos de curta
duração que marcam o imaginário social dessa que é de longe a profissão mais
desvalorizada em nosso país.
Em caderno especial, o jornal `Folha
de São Paulo´ apresentou amplo e detalhado panorama da situação, há muito
conhecida dos especialistas e da população escolar. Aumento de matrículas em
cursos de Pedagogia à distância, disciplinas altamente ideológicas em
detrimento de aprendizagens de habilidades práticas e falta de articulação
entre o Ensino Superior e a Escola Básica, para citar apenas os mais
importantes. Muitas soluções estão ali aventadas a partir da realidade
internacional.
Vivemos atualmente a glorificação dos
cursos à distância, associada às novas tecnologias, mídias e redes sociais.
Olhando para os dados, porém, constata-se que se o número de vagas em cursos de
Pedagogia vem subindo vertiginosamente em cursos à distância com declínio
equivalente das vagas em curso presencial e o número de concluintes nos cursos
à distância é significativamente menor daqueles que frequentam os cursos
presenciais. Não estaria aí uma pista para a resposta do problema da qualidade
de nossos profesores? Há mais gente estudando em cursos à distância, mas, no
final, os formandos são em número maior nos presenciais. O que estaria
escondido por trás desses números?
Arrisco um caminho: nos cursos
presenciais, mesmo os mais precários e ideologizantes, há uma característica
própria das aprendizagens humanas que ainda não se realiza à distância, qual
seja, sua dimensão coletiva, interacional e social. Assim, ainda que de forma
incipiente, a função docente é aprendida presencialmente, em contraposição ao
senso comum em voga, que a reduz a uma ocupação do exercício de habilidades
práticas que se aprendem na solidão do contato com uma tela de computador. Os
dados podem nos ajudar a compreender que a docência é, por origem e natureza,
uma profissão de caráter intelectual, coletivo e social.
Mais do que aprender uma
atividade prática, para ser professor é preciso aprender a exercer uma práxis
social, ou uma prática transformadora, baseada na oferta e transmissão de
conteúdos historicamente constituídos, mas didaticamente organizados de acordo
as capacidades de aprendizagens dos diferentes estudantes. Isso significa que
para tornar-se professor, os aprendizes desse ofício precisam conhecer os
conteúdos culturais e científicos para apresenta-los aos seus alunos, de forma
generosa, em forma de objetos culturais de mediação para suas aprendizagens.
Para entender melhor vai aí um exemplo:
Como ensinar um menino de 5 anos a
escrever sem tomar-lhe a mão, oferecer-lhe o olhar, a escuta atenta e sua
própria escrita?
Para aprender essa competência, o
aprendiz de docente, ainda que o faça por meio das mídias mais atualizadas,
terá de pensar sobre sua função transformadora na relação com esse menino. E,
para tal, terá de conhecer conteúdos de ordem conceituais que dialogam com suas
próprias concepções, valores e, ainda mais, resultem na construção de
habilidades e estratégias didáticas que permitam ao menino aprender. Com tanto
conteúdo pressuposto, os aprendizes não poderão estudar sozinhos, na medida em
que apenas o trabalho em equipe e a interação com os pares fornecerá material
para as diferentes e possíveis soluções de ensino associadas às aprendizagens
do menino.
É possível, assim, a título de
provocação, que os dados acima nos revelem que, ainda que precários e teóricos,
os cursos presenciais formam mais professores - a evasão é menor nos cursos
presenciais - pois ensinam a carreira docente que mais se aproxima das
situações humanas de aprendizagem. Isto não quer dizer - e os dados das
aprendizagens infantis e das provas nacionais e internacionais revelam o
contrário - que os cursos presenciais sejam bons. Penso que os dados sobre os
cursos presenciais nos dão pistas de que a função docente tem uma base na
interação humana necessária de ser levada em conta nos cursos de formação
inicial, sejam eles presenciais ou que se utilizem de recursos tecnológicos
altamente desenvolvidos.
Vale a ressalva: formar bons
professores em um país em crescimento como o nosso não poderá prescindir das
novas tecnologias para ganhar escala. No entanto, a escala com qualidade terá
de levar em conta que bons professores são aqueles cujos resultados se devem às
boas interações com seus estudantes associadas a um trabalho em equipe, que
escuta e olha seres humanos em situações reais de aprendizagens.
Por isso, a aprendizagem da função
docente precisa ser compreendida mais como um problema a resolver do que uma
equação a solucionar. Um excelente professor necessita conhecer e exercer
o relacionamento humano e todos os pressupostos afetivos, cognitivos e sociais
que lhe são próprios; deve usar boas estratégias didáticas de maneira que seus
alunos aprendam de verdade os conteúdos curriculares; e precisa saber organizar
situações de ensino adequadas a cada idade para distribuir o conhecimento
universalmente e historicamente produzido pela humanidade. Deve, enfim, saber
ensinar.
Nesse momento importante em que o
Brasil se encontra, em busca da solução do problema da boa docência, a
construção de um currículo nacional para os cursos de pedagogia e das
licenciaturas deverá supor a profissão como práxis social que deve ser
aprendida em sua plenitude e em relação intrínseca com a sala de aula e os
estudantes da escola básica.
*GISELA WAJSKOP - Professora Doutora
pela FEUSP/Université Paris XIII. Sócia Fundadora do Instituto Singularidades,
no qual respondeu pela Direção Geral e Acadêmica durante o período de janeiro
de 2001 a maio de 2013. Atualmente é consultora em educação.
Email: giselawajskop@gmail.com
Email: giselawajskop@gmail.com
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