Texto e Foto: Jornal O
Globo
O país começa este mês sua primeira
grande experiência para aproveitar a energia das ondas do mar. A primeira usina
de ondas da América Latina funciona no porto do Pecém, a 60 quilômetros de Fortaleza
e será lançada oficialmente durante a Rio+20. Para os pesquisadores, o local é
um laboratório em escala real onde serão ampliados os horizontes da produção
energética limpa e renovável.
O potencial é
grande, asseguram. O litoral brasileiro, de cerca de 8 mil quilômetros de
extensão, é capaz de receber usinas de ondas que produziriam 87 gigawatts. Na
prática, de acordo com especialistas da Coppe, que desenvolve a tecnologia, é
possível converter cerca de 20% disto em energia elétrica, o que equivaleria a
17% da capacidade total instalada no país.
Fronteira estratégica para a tecnologia
Antes de pensar
em mais usinas no litoral brasileiro, porém, é preciso testar conceitos e
comprovar tanto a viabilidade quanto a confiabilidade do projeto, que é financiado
pela Tractebel Energia através do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento da
Agência Nacional de Energia Elétrica, com o apoio do governo do Ceará.
Dois enormes
braços mecânicos foram instalados no píer do porto do Pecém. Na ponta de cada
um deles, em contato com a água do mar, há uma bóia circular. Conforme as ondas
batem, a estrutura sobe e desce. O movimento contínuo dos flutuadores aciona
bombas hidráulicas, que fazem com que a água doce contida em um circuito
fechado, no qual não há troca de líquido com o ambiente, circule em um ambiente
de alta pressão.
— Fazendo uma
analogia com uma usina hidrelétrica, em vez de termos uma queda d’água, temos
isso de forma concentrada em dispositivos relativamente pequenos, onde a
pressão simula cascatas extremas de 200 a 400 metros — explica
Segen Estefen, professor de Engenharia Oceânica da Coppe. — A água sob pressão
vai para um acumulador, que tem água e ar comprimidos em uma câmara
hiperbárica, que é o pulmão do dispositivo.
O mar tem sido
encarado pelos pesquisadores da Coppe como uma fronteira estratégica na qual o
Brasil pode ser o líder tecnológico. Somente no projeto da usina de ondas,
foram investidos R$ 15 milhões em quatro anos.
O Ceará não foi
escolhido aleatoriamente. Sua grande vantagem estratégica é a constância dos
ventos alísios, resultado da rotação da Terra. O movimento do ar gera ondas
regulares no mar brasileiro. Elas não são grandes, mas estão sempre batendo.
Poder contar com o movimento praticamente o tempo todo aumenta a eficiência da
nova usina.
— Há alguns anos,
o Brasil, por suas características, não era incluído em debates ou fóruns
internacionais. Hoje, entendemos que não basta ter ondas grandes. Elas atuam em
somente 20% do ano. Já as nossas batem de forma constante em mais do que 70% do
ano — afirma Estefen. — Desenvolvemos o domínio tecnológico para atividades
que, nas próximas décadas, vão acontecer cada vez mais no mar, que cobre 71%
das superfície do planeta.
Ainda há um longo
caminho a ser percorrido para que as usinas de onda passem a fazer parte da
paisagem brasileira. Os especialistas evitam compará-las às hidrelétricas, que,
em geral, têm custo de produção quatro vezes menor.
Na corrida pela
viabilidade desta tecnologia, o vento é o principal concorrente. A energia
eólica costuma ter a metade do custo. No entanto, os especialistas esperam uma
redução de custos com aumento da escala de produção das usinas de ondas.
— Em alguns
locais, há grande vantagem estratégica para a usina de ondas. Por exemplo, há
estudos para o arquipélago de Fernando de Noronha, onde a energia vem da queima
de diesel. Isso leva a riscos ambientais, inclusive em relação ao transporte do
combustível — ressalta o especialista da Coppe.
Estação abastecerá o próprio porto de Pecém
Por outro lado,
barreiras legais, além do custo, se interpõem no caminho das usinas de ondas.
Algumas das localidades consideradas de grande potencial energético são
preservadas por leis ambientais. Nestes casos, seria necessário alterar a
legislação, num processo que costuma suscitar muita polêmica e, muitas vezes,
resistência de associações locais.
— Há limitações
para colocar dispositivos de conversão em áreas de preservação ambiental. Temos
que levar em conta os benefícios da usina de ondas e os riscos ambientais que
já existem hoje — alerta Estefan. — Dependendo do local, apesar do custo de
implantação, a usina de ondas se torna mais competitiva. O Reino Unido entra
com força nesta tecnologia porque julga fundamental ter fontes de energia
alternativas ao petróleo. Daqui a dez anos, eles querem garantir que 20% de
suas fontes sejam renováveis.
A energia gerada em Pecém
será consumida no próprio porto. Mas já há planos de ampliação da quantidade de
braços mecânicos com bóias, que captam a energia do mar convertida em eletricidade. Toda
a estrutura é feita em módulos, que podem ser acrescentados para aumentar a
potência. Basta acrescentar flutuadores.
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