Texto: Alzenar Abreu / Diário da Manhã
No canto de uma
sala de mobiliário simples, uma mulher de semblante sofrido espera para contar
sua história. L.H, 32, faz parte das estatísticas divulgadas pela Secretaria de
Relações Internacionais do Estado que revelam que nos últimos cinco anos houve queda
de 75% dos casos de prostituição ou tráfico de seres humanos de Goiás para o
exterior. Muitas das mulheres goianas que seguiram para Espanha, Portugal e
Suíça, voltaram. Em função da crise europeia ou inibidas pela forte
concorrência das mulheres do leste-europeu.
Um mercado
obscuro que segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc)
movimenta de U$ 5 a
9 bilhões ao ano. As estimativas apontam que cada vítima chega a render, em
todo período produtivo, mais U$ 30 mil para seus algozes. L.H voltou da
Suíça, da cidade de Wünne Wil, onde seguiu para se prostituir, sem o sonho de
encontrar o “príncipe europeu”. Sem o dinheiro que queria para construir uma
casa, trouxe ainda na bagagem, o vício do álcool que hoje luta para vencer.
Conforme
levantamento da Secretaria Internacional, as goianas foram praticamente
expulsas pelas leste-europeias que baratearam o preço dos serviços. Antes, um
encontro sexual que valia cerca de U$ 200 caiu para menos de U$ 20. Valor
cobrado pela maciça onda de romenas, búlgaras, bielo-russas e húngaras. “As
mulheres da Europa Oriental tomaram conta das boates, ao atuarem, também, como
bailarinas”, revela o secretário da pasta Elie Chidiac.
De acordo com
ele, a crise no continente é fator preponderante para a volta de brasileiros do
exterior e, consequentemente, das trabalhadoras do sexo. “As aliciadoras
querem ganhar dinheiro sobre o trabalho dessas mulheres. Assim como o lucro, o
assédio também caiu, mas ainda existe”, diz Elie.
De 2005 a 2009 a secretaria registra 3
mil mulheres que saíram de Goiás, principalmente das cidades do interior, com
essa finalidade. O número de mortes de goianas nessa situação também é
preocupante. Este ano, foram três registros e outras duas estão desaparecidas.
Resultado do contato direto com a violência, drogas e as máfias.
Em escala
decrescente os países mais procurados são Espanha, Portugal, Suíça, Itália,
França, Inglaterra e Holanda. “A facilidade do idioma deve-se ao maior ingresso
de mulheres na Espanha e Portugal. Já a Suíça, comporta uma grande colônia de
emigrantes de Goiás”.
A Polícia Federal
em Goiás, segundo ele, também tem papel incisivo para coibir o crime de tráfico
de seres humanos (que inclui outros tipos de trabalho escravo no exterior).
De acordo com as
investigações da PF e Ações Penais do Ministério Público Federal (MPF), as
principais cidades goianas que enviam mulheres para o exterior são Minaçu,
Silvânia, Anápolis, São Miguel do Passa Quatro e Uruaçu.
Nesse sentido, o
Estado de Goiás fez projeto de três pilares para diminuir a incidência do
problema. São eles a repressão: a cargo da Polícia Federal e do Ministério
Público Federal em parceria com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e
Justiça; assistência às vítimas: a cargo do governo do Estado de Goiás e sua
rede; e a prevenção: com campanhas de conscientização na mídia nos moldes que
foram feitas contra o tabagismo, turismo sexual infantil, entre outras.
Aliciamento
Em geral é feito
em salões de beleza ou casas de shows no Brasil. As aliciadoras aproximam-se
das vítimas ostentando imóveis comprados e artigos de luxo. As promessas são de
vida melhor lá fora. Cerca de 90% das que aceitam a proposta sabem que irão se
prostituir, mas dizem desconhecer as condições a que serão submetidas.
Muitas sofrem desde cárcere privado, a retenção de passaportes, torturas e até
assassinatos. Outras adoecem devido ao ritmo de trabalho, que pode chegar
a 12 programas por noite.
Endividam-se para
se manter e muitas vezes são “vendidas”, para outras boates. Isso quando se envolvem
com algum estrangeiro. São transferidas com a dívida e só adquirem liberdade,
depois que pagam a conta. Liberdade quer dizer livre curso para voltar ao país
de origem ou sair da servidão. “ Para se casarem com vítima, alguns homens são
obrigados a “comprar”, dos algozes a mulher que desejam casar-se”, conta Daniel
de Rezende, procurador da República.
De acordo com
ele, os aliciadores são classificados em primeiro e segundo grau. O aliciador
de primeiro grau normalmente é um estrangeiro, com re- s i d ê n c ia n o
e x t e r i o r. E s sa p e s s o a é responsável pelo local
da prostituição, seja um clube ou uma boate. É quem remete dinheiro para
aquisição de passagens, compras de malas e vestimentas para as meninas aliciadas,
por um brasileiro residente no Brasil.
O aliciador de segundo grau é justamente
esse brasileiro, que seria o intermediário, recebendo comissão por cada mulher
encaminhada. O procurador não acredita em crise ao defender a tese de que o
mercado da prostituição é estável. “Não digo que houve alterações”, diz. Ele
explica que Goiás está no topo desse cenário simplesmente porque a repressão
aqui é maior. Portanto, é melhor diagnosticada. Ele contabiliza que de 2004 a 2012 foram realizados
12 trabalhos de repressão. 50 pessoas foram processadas e 35 condenadas a penas
que variam entre 4 a
14 anos de prisão.
Resgate
“Bebia para tomar
coragem”, conta L.H, 32, que viu desabar o sonho de comprar uma casa com
dinheiro da prostituição na Suíça. Em uma residência sem fachada no Jardim América
L.H recupera-se do alcoolismo que herdou da noite. Uma cafetina que tinha
família no interior de Goiás e uma boate na Suíça conheceu L. por intermédio de
uma prima. “ Ela me ligou quando trabalhava em Brasília em uma casa de família.
Me disse que se fosse para Suíça em 6 meses conseguiria o dinheiro que queria.
Sabia que iria para me prostituir”, revela.
L. “ganhou” a
passagem aérea, o Passaporte, e um carta de recomendação. Documento necessário
para entrar no país. “ No dia em que cheguei descobri que todo o dinheiro que
ganhava seria, primeiro, para pagar todas as despesas. Chorei de raiva”. L.
chegava a ter cinco encontros na madrugada. A orientação era embriagar os
clientes e vender o máximo de bebidas na casa.
Com pouco tempo
conheceu um rapaz com quem se casou. Deixou o clube para viver com aquele
homem. “Acho que ele se apiedou de mim. Em uma noite ele me deu uns R$ 10 mil.
Não houve nada entre nós, naquele dia”. O relacionamento não deu certo.
“Brigávamos muito”. L. voltou para casa e teve a sorte de conseguir a
liberdade.
K. C ,29,
afundou-se no crack. Há três meses na Missão Resgate da Paz, mostra-se lúcida e
fortalecida. “Fui para Espanha com um namorado. Não ia me prostituir. Um dia
ele se cansou de mim e disse:” Segue La vida! Tomei aquilo para mim. Pedi
dinheiro para ir embora. Ele disse que não ia me dar. Pensei... abandonei tudo
por ele para ouvir isso? No outro dia estava na Boate La Boêmia”.
Ela via a mãe do
rapaz com quem se relacionava, que trabalhava com prostituição na Espanha chegar
em casa com 600 euros por dia. “Ao ver aquilo interessei-me também. Mas é um
dinheiro que não rende. Você gasta sem ver”. K. deixou o país com o vício do
crack. “Quando olho para trás, não acredito. Sinto vergonha”. Ela diz conhecer umas
pessoas que comprou uma chácara com o dinheiro da prostituição. “Mas quando vem
ao Brasil, passa muito tempo se drogando. Não compensa”.
Nos dois
depoimentos, as vítimas confirmam o que dizem especialistas sobre o perfil das
mulheres que se entregam ao meretrício. Em geral tiveram desilusões amorosas, e
pouco apego ou instrução familiar. L. conta que a mãe nunca lhe chamava
atenção. Não tinha diálogo. “Fazia o que queria”, diz.
L. mora com a
filha de pouco mais de um ano em uma casa mantida com doações. “Algumas mães vêm
com as crianças para cá. Entendemos que, em alguns casos, a presença do bebê é
fundamental para recuperação da mãe. Porque muitas perderam vínculos familiares
e até de identidade”, diz. Atualmente são 10 pessoas sob os cuidados dessa
casa. “Aqui elas recebem o apoio que não têm quando chegam ao Brasil. Isso
porque quando vão para fora afastam-se da família”, diz a mantenedora do local,
Sherydan.
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