Fonte: Opinião e Justiça
O dia mal havia começado na manhã de 24 de agosto de 1954,
quando Getúlio Vargas decidiu tirar a própria vida. Esse gesto foi o maior golpe
de marketing político da história brasileira. Até aquela manhã, o ex-ditador
estava acuado. Acusado de proteger ladrões, e com seu irmão e o chefe da guarda
pessoal envolvidos na tentativa de assassinato do principal líder da oposição a
seu governo, a situação política de Getúlio Vargas era insustentável.
A opinião pública acompanhara os detalhes das investigações
do atentado da Rua Toneleros e estava chocada com as revelações. O coronel João
Adil de Oliveira, que ficara encarregado do Inquérito Policial-Militar, havia
declarado, a 19 de agosto, que o atentado contra Lacerda fora planejado dentro
do Catete. O vice-presidente e os militares pressionavam Getúlio para que
renunciasse. Se deixasse a Presidência, o ex-ditador teria um destino muito
parecido ao reservado a Fernando Collor: teria respondido a vários processos e
correria o risco de ser condenado, junto com parentes e pessoas de sua estrita
confiança. Teria tanto apoio da opinião pública quanto o ex-presidente Collor
obteve durante o processo do impeachment.
A decisão dramática pelo suicídio revelou-se extraordinária
para salvar a biografia do Tirano do Catete (Vargas foi o único ditador a
habitar aquele palácio presidencial). Como num passe de mágica, poucas horas
após o anúncio da sua morte, milhares de pessoas foram para as ruas da capital,
inconformadas com os acontecimentos. Exceto para Gregório Fortunato e seus
capangas, os demais acusados da entourage getulista saíram ilesos das
acusações. Em 30 dias o inquérito foi encerrado e nada apurado em relação aos
parentes do tirano. Os ladrões que o circundavam, segundo acusava Carlos
Lacerda, também não tiveram os seus atos investigados.
O grande jurista e advogado Evandro Lins e Silva – que
esteve à frente da defesa de alguns acusados do atentado da Rua Toneleros –
declarou haver encontrado a melhor explicação para o suicídio de Vargas numa
revista francesa, sob o título O suicídio como arma política. Nessa
reportagem, segundo Lins e Silva, o autor mostrava que, com seu gesto, Getúlio
Vargas tinha conseguido dominar, paralisar, desmoralizar a conspiração que
pretendia alijá-lo do poder. Na verdade, isso aconteceu. Quem viveu aquele
período e assistiu aos acontecimentos durante o dia, no Rio de Janeiro, tem a
lembrança de que poucas vezes multidão igual saiu às ruas em apoio ao
presidente.
Este é um exemplo perfeito de manipulação da opinião pública
post mortem. Até a manhã do dia 24 de agosto Getúlio Vargas era um ex-ditador,
convertido em demagogo, à frente de um governo acusado de corrupção e rodeado
por bandidos que urdiram um atentado contra o principal político de oposição.
Com o seu derradeiro gesto, tudo isso foi apagado e seu nome emprestado a ruas,
avenidas, praças, cidades e instituições. Ergueram-se monumentos e bustos. E os
que desejavam ver cumprida a lei e punidos os culpados, terminaram com a pecha
de conspiradores aos olhos da maioria das pessoas. Nunca um suicídio mudara
tanto os rumos da política brasileira, nem a biografia de um personagem.
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