quarta-feira, 24 de agosto de 2011

24 de agosto de 1954 – O suicídio como arma política


Fonte: Opinião e Justiça

         O dia mal havia começado na manhã de 24 de agosto de 1954, quando Getúlio Vargas decidiu tirar a própria vida. Esse gesto foi o maior golpe de marketing político da história brasileira. Até aquela manhã, o ex-ditador estava acuado. Acusado de proteger ladrões, e com seu irmão e o chefe da guarda pessoal envolvidos na tentativa de assassinato do principal líder da oposição a seu governo, a situação política de Getúlio Vargas era insustentável.
         A opinião pública acompanhara os detalhes das investigações do atentado da Rua Toneleros e estava chocada com as revelações. O coronel João Adil de Oliveira, que ficara encarregado do Inquérito Policial-Militar, havia declarado, a 19 de agosto, que o atentado contra Lacerda fora planejado dentro do Catete. O vice-presidente e os militares pressionavam Getúlio para que renunciasse. Se deixasse a Presidência, o ex-ditador teria um destino muito parecido ao reservado a Fernando Collor: teria respondido a vários processos e correria o risco de ser condenado, junto com parentes e pessoas de sua estrita confiança. Teria tanto apoio da opinião pública quanto o ex-presidente Collor obteve durante o processo do impeachment.
         A decisão dramática pelo suicídio revelou-se extraordinária para salvar a biografia do Tirano do Catete (Vargas foi o único ditador a habitar aquele palácio presidencial). Como num passe de mágica, poucas horas após o anúncio da sua morte, milhares de pessoas foram para as ruas da capital, inconformadas com os acontecimentos. Exceto para Gregório Fortunato e seus capangas, os demais acusados da entourage getulista saíram ilesos das acusações. Em 30 dias o inquérito foi encerrado e nada apurado em relação aos parentes do tirano. Os ladrões que o circundavam, segundo acusava Carlos Lacerda, também não tiveram os seus atos investigados.
         O grande jurista e advogado Evandro Lins e Silva – que esteve à frente da defesa de alguns acusados do atentado da Rua Toneleros – declarou haver encontrado a melhor explicação para o suicídio de Vargas numa revista francesa, sob o título O suicídio como arma política. Nessa reportagem, segundo Lins e Silva, o autor mostrava que, com seu gesto, Getúlio Vargas tinha conseguido dominar, paralisar, desmoralizar a conspiração que pretendia alijá-lo do poder. Na verdade, isso aconteceu. Quem viveu aquele período e assistiu aos acontecimentos durante o dia, no Rio de Janeiro, tem a lembrança de que poucas vezes multidão igual saiu às ruas em apoio ao presidente.
         Este é um exemplo perfeito de manipulação da opinião pública post mortem. Até a manhã do dia 24 de agosto Getúlio Vargas era um ex-ditador, convertido em demagogo, à frente de um governo acusado de corrupção e rodeado por bandidos que urdiram um atentado contra o principal político de oposição. Com o seu derradeiro gesto, tudo isso foi apagado e seu nome emprestado a ruas, avenidas, praças, cidades e instituições. Ergueram-se monumentos e bustos. E os que desejavam ver cumprida a lei e punidos os culpados, terminaram com a pecha de conspiradores aos olhos da maioria das pessoas. Nunca um suicídio mudara tanto os rumos da política brasileira, nem a biografia de um personagem.

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